A noite escura e sem luar exterminava as sombras. Nas ruas, apenas o vento assobiando pelos buracos em paredes e becos sem saída fazia barulho. Um garoto estava sentado no banco de uma praça com apenas um único poste iluminando-a.
O garoto havia pedido para sua mãe buscá-lo quando a festa onde estava acabou, mas já haviam se passado mais de três horas e nada dela aparecer. Ele consultou o relógio novamente: duas e nove da manhã. Foi então que os passos rápidos pelo asfalto o fizeram erguer a cabeça e procurar de onde vinha o som.
Uma garota corria erguendo levemente o vestido branco para não tropeçar, os sapatos de salto faziam barulho e pareciam ecoar pela cidade deserta, o cabelo curto e loiro brilhou levemente quando ela entrou no foco do poste. Ela parou e sentou na frente do garoto, de costas para ele.
- Hum, olá. – Disse o garoto timidamente
- Oi – Respondeu ela com uma voz baixa e estranhamente letal. Parecia veneno infiltrando-se pelos ouvidos dele
- Então... O que você está fazendo a essa hora na rua?
- A mesma coisa que você – Ele não sabia por que, mas aquela única frase fez todos os pêlos de seu corpo arrepiarem e um calafrio subir pela espinha – Quer vir comigo? Quero te mostrar uma coisa que acho que você vai se interessar...
- Oh... Está bem...
A garota levantou e dirigiu-se para longe da luz do poste, sendo seguida pelo garoto. Eles caminharam até um beco sem saída, onde o garoto parou
- Não tem nada aqui!
Ela riu suavemente
- Pode não ter para você e para muita gente, mas para mim, tem – Ela apertou alguma coisa na parede e ela se abriu, mostrando uma escadaria escura – Vamos
A garota desceu tão suavemente que ele poderia jurar que ela deslizou para dentro do buraco. O garoto abaixou a cabeça e pisou delicadamente no degrau enferrujado. Tinha a estranha sensação de que aquela escada desmoronaria se colocasse todo o peso do seu corpo ali, mas resolveu arriscar.
Começou a descer devagar, parando sempre que ouvia algum dos degraus ranger. Quando alcançou finalmente o fundo, deixou suas pupilas dilatarem. Aos poucos, começou a enxergar.
Primeiro, conseguiu distinguir alguns buracos nas paredes. Depois, achou que eles estavam vazios e eram um meio de comunicação. Quando seus olhos finalmente se acostumaram, ele abafou o grito.
Dezenas de cadáveres repousavam naquelas catacumbas. Havia vários tamanhos, desde pequenos esqueletos de crianças até longos esqueletos de damas. Estranhamente, não tinha cheiro de carne podre ou algo do gênero.
- O que está esperando? – A voz da garota o assustou. Não havia sentido ela se aproximar, muito menos ouvido
Eles andaram durante vários minutos em silêncio, até que o garoto tomou coragem e perguntou:
- Qual seu nome?
- Sophie – A voz dela pairou delicadamente no ar e encheu-lhe os ouvidos, assim como veneno derramado sobre a água
- Sou Pietro
- Eu sei – O sangue congelou nas veias dele
- Porque você não deixa eu ver seu rosto?
- Você já viu o filme “O Exorcismo de Emily Rose”?
- Sim – Pietro tentou engolir a saliva inexistente, sua boca estava seca demais
- Minha aparência não é muito melhor que a dela
- Você não é... Verde, é?
- Não, mas se eu me virar vou te assustar mais do que se fosse simplesmente verde
- Onde estamos? – Perguntou ele quando saíram em frente a um pequeno parque
- Perto da sua casa, não é? – Respondeu Sophie
Pietro não respondeu. Tinha certeza que aquele era o parquinho que ficava a menos de duas quadras de sua casa, mas nunca tinha reparado como ele era fantasmagórico ao anoitecer. Na verdade, ele nunca queria reparar.
- Ah, chegamos... Sei que você não vai gostar muito, mas tudo bem... – Ela parou a alguns metros de uma caminhonete preta que o garoto reconheceu na hora: a caminhonete de sua mãe.
Aproximou-se e abriu a porta. Ao fazer isso, gritou. Praticamente jogada sobre o banco do motorista, estava sua mãe, ou deveria ser antes de ser mutilada violentamente.
Seus olhos haviam sido arrancados com as mãos, já que as pálpebras estavam arranhadas. Seu peito estava aberto e alguns órgãos caíam para fora do corpo, como o intestino e os rins. O coração havia sido brutalmente arrancado, pois as veias que o prendiam estavam completamente estouradas.
- So... Sophie... – Pietro virou-se para a garota, mas gritou novamente ao ver pela primeira vez seu rosto
Apenas metade dele estava mais parecido com o de um humano. O outro lado não tinha pele e alguns músculos, deixando o crânio levemente exposto. Seu pequeno corpo tinha partes queimadas e muitas perfuradas profundamente.
- Não se preocupe comigo.. Eu sou só a garota que sua mãe atropelou quando saiu bêbada de uma festa... Não é nada pessoal, mas era ela que deveria ter ido, não eu. Agora tudo está certo, não? – E, com um pequeno sorriso, desapareceu no ar, deixando o garoto no meio da rua, sozinho, com a mãe morta ao seu lado
Escrito por: Daniele Sant' Helena